Veto a vermífugo opõe veterinárias e frigoríficos
Pouco mais de um mês antes de o Ministério da Agricultura publicar uma Instrução Normativa (IN nº 13) proibindo temporariamente a produção e o uso das avermectinas de longa ação – vermífugos para bovinos largamente utilizados no Brasil -, a Secretaria de Defesa Agropecuária do próprio ministério recomendava uma medida bem mais branda em relação à utilização desses medicamentos. Em 14 de abril, uma nota técnica assinada pelo secretário de Defesa Agropecuária, Rodrigo Figueiredo, propôs a inclusão das avermectinas de longa ação sob venda controlada por receituário emitido por veterinários, medida efetivamente adotada em 6 de maio. Semanas depois, no dia 29 de maio, porém, o ministério proibiu esses medicamentos, numa decisão que opôs indústria veterinária e pecuaristas a frigoríficos de carne bovina. A mudança de rumo mostra as divergências de opiniões dentro do Ministério da Agricultura, que decorrem das pressões tanto das indústrias veterinária quanto da de carne bovina e também de disputas dentro da própria Pasta. A proibição – que não inclui as avermectinas de curta ação, que têm atividade inferior a 42 dias – levou o Sindan, sindicato que representa a indústria veterinária, a entrar com um processo na 17ª Vara Federal do Distrito Federal pedindo a revogação da IN nº 13, assinada pelo ministro Neri Geller. O juiz de primeira instância negou o pedido de tutela antecipada, que faria com que a IN fosse suspensa até o julgamento final do processo. Já notificada, a Advocacia-Geral da União (AGU) tem 60 dias para se manifestar no processo, defendendo o Ministério da Agricultura. Fontes ligadas à Frente Parlamentar da Agropecuária afirmam que o Ministério da Agricultura seguiu ordem da Casa Civil para tomar a decisão e argumentam que a medida foi tomada sem embasamento técnico e após pressão das empresas exportadoras de carne bovina do país, lideradas pela JBS. Para proibir o uso de um produto seria necessário comprovar sua ineficácia ou eventual efeito negativo sobre as saúdes animal e humana, dizem essas fontes. A Casa Civil informou que “encaminhou o assunto para avaliação técnica do Ministério da Agricultura”. Segundo a Casa Civil, “o governo brasileiro tomou conhecimento de possível comprometimento da qualidade da carne nacional” por conta do uso das avermectinas. A Casa Civil cita como preocupação riscos “para a saúde dos consumidores de carne, devido à presença de altos índices de resíduos de avermectinas no produto, e a perda de mercado internacional”. Também questionada, a JBS disse, por meio de sua assessoria, que não comentaria, e que se trata de uma decisão do Ministério da Agricultura. Na ocasião, os EUA apontaram resíduos acima do permitido de ivermectina nas cargas – o limite naquele país é de 10 ppb (parte por bilhão). Então, o próprio Ministério da Agricultura brasileiro decidiu suspender por sete meses as vendas do produto aos EUA. Os embarques foram retomados, mas as violações continuaram a ocorrer. Como reflexo, as exportações brasileiras de carne industrializada para os EUA recuaram de forma expressiva em 2010 na comparação com 2009. Os volumes tiveram queda de 65,5%, para 13,3 mil toneladas, e a receita caiu 63,6%, para US$ 74,7 milhões, conforme a Associação Brasileira da Indústria Exportadora Carne (Abiec). Nos anos seguintes, as receitas subiram por conta de aumento dos preços, mas os volumes continuaram minguados. Para tentar driblar o problema, a indústria de carne bovina passou a fazer análises de amostras de carne industrializada exportada para detectar se o resíduo de ivermectina estava dentro do permitido pelos EUA. Desde 2010, foram 560,1 mil análises, de acordo com a Abiec Questionado sobre uma suposta pressão da indústria para obter a proibição das avermectinas de longa ação, o presidente da Abiec, Antônio Camardelli, disse que, desde a detecção dos resíduos de ivermectina acima do permitido, em 2010, a indústria frigorífica vem fazendo um trabalho que mostrou que há “grandes quantidades de produtos vendidos sem registro e que há falhas na fiscalização das farmácias veterinárias”. Segundo Camardelli, a decisão do Ministério foi decorrente da “constatação de que era preciso fazer algo para não perder mercado”. Apesar de reconhecer a necessidade do uso dos vermífugos pelos pecuaristas, a indústria de carne bovina considera que os produtos de longa ação e seu manejo inadequado explicam as persistentes violações. “É uma fragilidade no sistema de controle”, reitera Camardelli. A Abiec defende rastreabilidade total dos medicamentos, receituário obrigatório para a venda da ivermectina, controle de importação da matéria-prima, controle de registro, espaço na guia de trânsito animal (GTA) para os dados sobre vermífugos, além de um protocolo para exportação para os EUA. No processo que moveu contra o Ministério da Agricultura por conta da IN nº 13, o Sindan tem dois questionamentos principais. O primeiro deles é a ausência de embasamento técnico, uma vez que a normativa que proibiu as avermectinas de longa ação se ancora numa nota técnica que propõe a venda dos medicamentos com receitas, e não a suspensão deles. A outra alegação é que não há provas de que o medicamento cause danos à saúde animal ou humana. Procurado pela reportagem, o Sindan se negou a dar entrevista. Em sua justificativa para a proibição, o Ministério da Agricultura diz que “constatou” que bovinos têm sido abatidos sem que o prazo de carência dos produtos de longa ação seja respeitado. Além disso, a Pasta também alega que avermectinas de longa ação clandestinas são vendidas com facilidade no país. Fontes do setor veterinário admitem o problema, mas defendem, de um lado, maior instrução ao pecuaristas. Sobre o uso clandestino, a avaliação é de que o ministério dá um tiro no pé. “A proibição só vai incentivar o contrabando”, de acordo com outra fonte do setor. Na indústria veterinária de capital nacional, a perda estimada com a proibição das avermectinas de longa ação é de R$ 500 milhões por ano, segundo a Associação Brasileira dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac). Como um todo, o faturamento da indústria veterinária no Brasil – incluindo as multinacionais – é de R$ 3 bilhões, segundo a Alanac. A proibição afeta empresas como Merial, Elanco, Ourofino, entre outras. O Conselho Nacional de Pecuária de Corte (CNPC) considera a proibição injustificada e afirma, em comunicado, que a restrição às avermectinas de longa ação “deverá permitir aumento do comércio ilegal de tais produtos oriundos de países vizinhos e ainda a proliferação de similares não registrados já tão frequentes em certas áreas do país com escasso e difícil controle por parte da fiscalização oficial do Ministério da Agricultura”. “Precisaria ter feito audiência pública, precisaria ter sido levado para a câmara da carne bovina. Foi uma atitude intempestiva. Como ficam as lojas que tinham estoque e os estoques da indústria?”, criticou Antenor Nogueira, presidente da comissão de bovinocultura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Fonte: Beef Point
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