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05/02/2016
Pecuária e agricultura usam 1/3 da capacidade das terras de que dispõem


Daqui a cem anos, quando especialistas e estudiosos se reunirem para dialogar sobre os rumos do planeta, hão de se referir às primeiras duas décadas do século XXI como “aquele tempo de crise, quando se acreditava que o planeta não ia suportar tanto impacto e a civilização humana estava prestes a se extinguir”. A tecnologia desenvolvida a partir dos “tempos de crise” já terá sido capaz de resolver os problemas, a poluição terá estancado, rios e mares não sofreram mais alterações porque os gases que causam efeito estufa terão sido eliminados das atividades humanas.

Foi mais ou menos assim que caminhou minha conversa, ontem à tarde, com Bernardo Strassburg, economista de formação, atualmente mestre em Ciência da Sustentabilidade na PUC do Rio e coordenador do Centro de Ciência da Conservação e Sustentabilidade do Rio (CSRio). Fui à sede do Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS), que ele dirige, entrevistá-lo por conta de um artigo que Strassburg escreveu para a revista norte-americana “Science”, em conjunto com cientistas da Universidade de Cambridge, que aponta soluções para promover uma agricultura que, efetivamente, consiga dar cabo de alimentar os 7 bilhões de habitantes do planeta.

Aqui no Brasil, por exemplo, é fácil: basta tratar melhor a terra agricultável. Não precisa nem confinar ainda mais os animais, nem usar ainda mais veneno do que já é usado. Os estudos feitos por Bernardo Strassburg mostraram que, por má administração, agricultores e pecuaristas usam apenas um terço da capacidade das terras de que dispõem.

Na conversa, Benardo Strassburg contou-me ainda sobre um estudo que está coordenando com outros 25 acadêmicos para mapear o que restou da Mata Atlântica e apontar áreas possíveis de serem recuperadas. A boa notícia é que, se o Código Florestal for cumprido, haverá 7 milhões de hectares da Mata restaurados, a metade do que existe hoje de floresta nativa, cerca de 14 milhões.

Essas e outras histórias estão na entrevista que segue. Bernardo Strassburg, como fica claro no início desse texto, está otimista com relação ao futuro. É raro no meio ambiental, e é sempre bom, ouvir opiniões abalizadas que transpirem alguma esperança, mesmo com críticas.

Agricultura  tem sido um foco de tensão entre movimentos sociais, ambientais, setor corporativo e governo. Há críticas ao chamado circuito longo dos alimentos, ao expressivo aumento de fertilizantes, enfim. No seu artigo você propõe a adequação de territórios para uma agricultura sustentável?

Bernardo Strassburg – Depende de como ela será feita. O que apontamos foram quatro caminhos que poderão tornar possível  conciliar o aumento de produtividade da agricultura com a diminuição de pressão por novos desmatamentos ou até a liberação de áreas para grandes reflorestamentos ou recuperação. O artigo está preocupado com os dois maiores desafios instalados nesse século, que são como alimentar 7 ou dez bilhões junto com o fato de que cada um passará a comer mais 50%, um aumento de consumo per capita.

Esse aumento de consumo per capita será provocado pelo desenvolvimento econômico?

Bernardo Strassburg – Sim, são estudos feitos pela FAO, a agência da ONU para alimentos e agricultura. São projeções feitas sobretudo com Ásia e África, quando muitos passarão, e já passaram, da extrema pobreza para a pobreza e depois para uma classe média. Isso causa uma mudança de hábitos e de consumo também. Por exemplo, sair do consumo de grãos para o consumo de carnes. Existe ainda a discussão sobre se é necessário ter o aumento de impacto com esse aumento de consumo, já que se perde muito com ineficiência que gera o desperdício de alimentos.

Na verdade, não se justificaria ter 800 milhões de pessoas em pobreza crônica se não houvesse tanto desperdício causado não só pelas grandes corporações como por hábitos domésticos mesmo. Isso tudo é posto sobre a mesa na hora de fazer estudos para tornar a agricultura mais sustentável?

Bernardo Strassburg – Olha, eu vou lhe dizer que sou um economista pragmático, por um lado, e um ambientalista sonhador por outro. Há uma série de medidas mitigatórias, e uma delas é mudar esse hábito, diminuir o desperdício. Outra é: se a gente já desmatou uma área e ela já é da agricultura, como fazer com que essa mesma área possa produzir mais e de forma sustentável? Veja bem: estamos falando de intensificação sustentável da agricultura, não estamos falando em como aumentar fertilizantes ou como confinar animais como muitos fazem.

Explica então, um pouco melhor isso, por favor...

Bernardo Strassburg - O que estamos falando é que no Brasil temos uma das menores produtividades na pecuária por hectare do mundo. Temos um boi por hectare, na média, e isso é muito baixo. Para se ter uma ideia, é possível, num sistema extensivo de pecuária sem confinamento, ter três cabeças de boi por hectare. Já fizemos esse estudo para a Embrapa.

Mas no Brasil muitas empresas são acusadas de confinar demais os bois, tratar os animais de forma cruel. Estou entendendo então que aí também, como no desperdício, há uma desorganização (para usar uma palavra bem leve) que deve ser combatida, não?

Bernardo Strassburg – Sim. Há aqueles que acreditam que confinando demais os bois numa fazenda estão maximizando os seus lucros, e achamos que tem outro caminho. É disso que nosso artigo trata. Ou seja: é possível ganhar potencial para aumentar a produção de alimentos nas áreas já dedicadas à agricultura e, com isso, diminuir a necessidade de novos desmatamentos. No Brasil usa-se um terço do potencial sustentável que se poderia atingir. É só manejar para mudar esse sistema.

Já existem estudos mostrando que as terras degradadas poderiam ser recuperadas, é isso?

Bernardo Strassburg – Há dois tipos de recuperação de terras degradadas, pessoas com diferentes visões usam a mesma expressão. Para os ambientalistas, recuperar área degradada é reflorestar e deixá-la intacta para ajudar a diminuir as emissões de carbono, aumentar a biodiversidade e tal. Para o pessoal da agricultura quer dizer que aquela área pode voltar a ser uma boa pastagem. O que eu digo é que existe espaço para as duas coisas. Estamos fazendo um estudo, com mais 25 autores do mundo todo, sobre o espaço que é possível restaurar na Mata Atlântica.

E o que vocês descobriram?

Bernardo Strassburg – Se o Código Florestal, mesmo este que foi aprovado e que não agrada a todos, mas se ele for respeitado, cerca de 5 a 8 milhões de hectares da Mata Atlântica serão recuperados, por lei. Levando em conta que hoje sobram 14 ou 15 milhões de hectares da Mata Atlântica, isso significa dizer que poderá haver um aumento de até 50% do que restou da Mata. Estamos mapeando esses 7 milhões para dizer quais são as áreas mais possíveis de serem recuperadas de forma economicamente viável.

Agora vou lhe fazer a pergunta que os movimentos soioambientais estão se fazendo: economicamente viável para quem?

Bernardo Strassburg – Há um cardápio de opções, que vai desde uma recuperação que será para a atmosfera, mas há também a chance de fazer com madeiras nativas aquilo que é feito com eucalipto e pinus. Plantar florestas que vão ser manejadas em ciclos de 30 anos. Vai ser criada uma biodiversidade ali. Estamos fazendo esses estudos e, depois de terminado, vamos entregar para a sociedade. A torcida é para que ajude, de alguma forma, a criar polítcas públicas. O objetivo final é conciliar natureza com desenvolvimento humano. Se conseguimos gerar melhor nossas terras vamos mitigar as mudanças climáticas, produzir alimentos mais saudáveis. Nosso foco, no artigo que a “Science” publicou, foi identificar no melhor uso da terra uma saída comum a vários desafios.

Gostei quando você mencionou o ‘desenvolvimento humano’ porque às vezes parece que os ambientalistas acabam se esquecendo que é preciso proteger a natureza para os humanos. Por outro lado, cientistas já apontaram que estamos na era Antropoceno, ou seja, quando o homem é o maior protagonista das destruições. Como você vê isso?

Bernardo Strassburg – Existe uma tensão gigantesca aí, não estamos no Antropoceno à toa. Todas as outras extinções tiveram causas externas, é a primeira vez que uma espécie está extinguindo as outras. Dois anos atrás eu li um estudo mostrando que nos últimos 40 anos nós eliminamos metade dos animais do planeta. Mas o meu lado economista pragmático vê espaço para melhorarmos isso. Há espaço para diminuir essa tensão encontrando movimentos ganha-ganha. Melhorando a produtividade na agricultura, por exemplo, aumentando a renda do produtor.  Melhorando a eficiência energética, que vai resultar em contas menos altas. Há milhares de exemplos onde podemos harmonizar essa relação. Daqui a 30, 40 anos, a ONU está prevendo que a população vai parar de crescer tanto, então é essa nossa geração que precisa agir. Se a gente estivesse tendo essa conversa daqui a 100 anos poderíamos estar nos referindo à nossa época como “aquela era quando a humanidade estava vivendo uma crise horrível” porque já estaremos num tempo em que não vamos estar matando tantos animais. A diferença é: o que vai acontecer nesses 30, 40 anos? Vamos acabar de eliminar os animais ou vamos dar um jeito nisso?

Quando você fala sobre eliminação de animais, penso que o sistema em que vivemos está cuidando de eliminar pessoas também. Vem à minha cabeça aquelas cenas horríveis de refugiados sendo mortos tentando um caminho melhor para si...

Bernardo Strassburg – As tragédias humanitárias vão se acirrar também por conta das mudanças climáticas. Vai haver cada vez mais refugiados climáticos. Mas tenho confiança no egoísmo bem administrado dos países ricos. Eles vão perceber que se não agirem no sentido de tentar desenvolver ferramentas para os mais pobres se livrarem, eles vão ter que conviver cada vez mais com esses horrores dentro de suas fronteiras.

Fonte: BeefWorld


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